Entrevista de Ren Zhengfei com a BBC

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Ren Zhengfei, o fundador da Huawei, foi entrevistado pela BBC no Asia's Tech Titans. Veja a transcrição completa (as partes transcritas da entrevista de Ren foram traduzidas da gravação da entrevista pela Huawei):

Correspondente da BBC: Esta é uma oportunidade de o mundo entender sua posição. Há muitos equívocos sobre a Huawei em todo o mundo. E a BBC e eu queremos entender seu ponto de vista. Esta é a chance e a oportunidade. Agradecemos muito essa oportunidade. Então eu vou perguntar o que o mundo inteiro quer saber sobre a Huawei. Quero que você saiba que eu vou ser justo e sou muito grato por esta oportunidade.

Ren: O prazer é meu de responder às suas perguntas. Eu sinto como se os olhos do mundo todo estivessem voltados para a Huawei, e agradeço ao governo dos EUA por isso. A Huawei é uma empresa pequena. Não somos muito conhecidos. Mas agora muitos oficiais de alto escalão do governo dos EUA estão fazendo lobby no mundo todo, dizendo que a Huawei é uma empresa importante que tem problemas. Eles estão chamando a atenção do mundo todo para a Huawei. As pessoas estão começando a conhecer a Huawei e vão entender com um olhar mais profundo que a Huawei é uma boa empresa. Nossas vendas estão crescendo rapidamente e o volume de vendas do nosso negócio de dispositivos aumenta 50% em média todos os meses. Portanto, agradecemos ao governo dos EUA por anunciar a Huawei.

Correspondente: É minha responsabilidade perguntar que o mundo quer saber. Alguns delas podem parecer difíceis, mas quero entender sua posição e quero que você se sinta à vontade nessa conversa.

Ren: Como estamos conversado à vontade, posso dar algumas respostas engraçadas às suas perguntas, então espero que você e o público entendam meu toque de humor às vezes.

P1: Muito obrigado, Sr. Ren, por se juntar a nós. Eu queria começar perguntando um pouco sobre sua empresa. Você construiu esta empresa em somente 30 anos. É uma conquista notável, mas quero entender: Quais desafios você enfrentou quando começou?

Ren: Eu fundei a Huawei quando a China começou a implementar sua política de reforma e abertura. Deng Xiaoping acreditava que havia muitos militares na China e o número precisava ser reduzido significativamente. Centenas de milhares de soldados, se não mais de um milhão, foram dispensados do exército e passaram a procurar emprego na vida civil.

Naquela época, a China estava mudando de uma economia planejada para uma economia de mercado. Não somente pessoas como eu, mas também os funcionários mais graduados do governo, não tinham a menor ideia do que era uma economia de mercado. Deng Xiaoping defendia a teoria de “atravessar o rio sentindo as pedras no leito do rio”. O fato é que, se algo der errado quando você estiver no rio, você pode se afogar. Quando a China mudou para uma economia de mercado, não tínhamos ideia do que era mercado ou o que fazer. Parecia difícil sobreviver.

Eu sou um homem ambicioso. Depois de sair do exército, eu vim para Shenzhen. A cidade é pioneira em práticas de mercado aberto e, provavelmente, é o mercado mais aberto da China. Quando estava no exército, eu fazia exatamente o que me mandavam fazer. Porém, quando comecei a trabalhar em uma economia de mercado e me envolvi em transações de produtos, fiquei perdido. Eu passei por injustiças e decepção. Eu caí, mas tive que me levantar novamente, porque tinha que sustentar minha família. Então pensei na possibilidade de abrir um pequeno negócio. O capital social era de aproximadamente CNY 21.000, que é de cerca de 2.000 libras. Nem todo o dinheiro veio do meu bolso. A rescisão que recebi ao sair do exército era apenas cerca de um quinto desse valor, então eu juntei fundos de pessoas diferentes e fundei a Huawei.

Esses tempos nos trouxeram até o caminho em que estamos agora.

Ao seguir esse caminho, nosso objetivo era trabalhar pela sobrevivência, e não pelos ideais. Na época, não tínhamos ideais, porque achávamos que era difícil sobreviver como empresa. Minha parte do capital registrado era menos da metade do salário de uma garçonete hoje. Então, como poderíamos ter ideais? Nossa prioridade era sobreviver.

P2: Você pintou um quadro de muitas dificuldades pelas quais passou, mas hoje a Huawei é a maior vendedora de equipamentos de telecomunicações do mundo. Como você fez isso?

Ren: Depois de fundar a Huawei, pesquisei o que exatamente era uma economia de mercado. Eu li muitos livros sobre leis, inclusive sobre leis europeias e americanas. Na época, havia muito poucos livros sobre as leis chinesas, e eu tive que ler sobre leis europeias e norte-americanas.

Eu descobri que a economia de mercado se tratava de duas coisas: o cliente e o produto. E a lei rege o que está no meio: a transação. Obviamente, não poderíamos controlar nossos clientes, então tivemos que obter acesso os produtos. Eu tinha trabalhado em pesquisa. Por isso, começamos a pesquisar produtos, construir produtos e vendê-los aos clientes.

P3: Qual é sua próxima meta para a Huawei, agora que você já viu tanto sucesso? 

Ren: Quando fundei a Huawei, a indústria da comunicação estava no começo de mudanças enormes dos 30 anos seguintes; mudanças tão grandes como se a humanidade tivesse passado por milhares de anos em um período de três décadas. Naquela época, nós não tínhamos telefones [na China]. Os únicos telefones que tínhamos eram aqueles com manivela que você vê nos velhos filmes da Segunda Guerra Mundial. Éramos bem subdesenvolvidos na época.

A Huawei começou produzindo equipamentos simples para os mercados rurais. Em vez de gastar o dinheiro que ganhamos, investimos de volta nos negócios, produzindo equipamentos mais avançados. Era uma época em que a China tinha muita necessidade de desenvolvimento industrial, e nossos equipamentos, embora com certeza não fossem os melhores, ainda tinham apelo de mercado. Se fôssemos começar a Huawei agora, não sei se teríamos sucesso. Com o tempo, percebemos que poderíamos ter sucesso, por isso focamos todos os nossos esforços no que estávamos fazendo na época.

Quando uma pessoa consegue manter o foco em algo, definitivamente terá sucesso. Eu estava focado em tecnologia de comunicação. Se tivesse focado em criar porcos, eu poderia ter me tornado um especialista em porcos. Se eu tivesse focado em fabricar tofu, eu poderia ter me tornado o rei do tofu.

Infelizmente, escolhi comunicações. Esta indústria é muito desafiadora. Os parâmetros são altos. O CEO da Ericsson uma vez me perguntou: “A situação na China naquela época era tão difícil. Onde você conseguiu coragem para entrar em uma indústria tão exigente?” Eu disse a ele que fizemos isso sem entender direito o quanto a barreira era difícil na entrada. Mas começamos mesmo assim, e não poderia recuar, porque, se desistíssemos, não teríamos nada. Eu tinha gastado todos os RMB 21.000 de investimento inicial e acabaria mendigando na rua. Então tínhamos que seguir em frente, um passo de cada vez.

Nossa força era bem limitada, então estreitamos nosso foco em uma pequena área, e foi aí que decidimos atacar. Avançando aos poucos, começamos a ter sucesso. Ele se acumula ao longo do tempo. É uma abordagem eficaz, o que chamo de nossa estratégia de ponta da agulha. Nós nos focamos em um único ponto, e estamos focados nesse ponto há 30 anos. De várias centenas de funcionários, para vários milhares, para dezenas de milhares e agora com 180 mil pessoas. Colocamos toda a nossa energia em um único ponto: tecnologia da informação e comunicação.

Todo ano investimos 15 a 20 mil milhões de dólares americanos em P&D. A Huawei é uma das 5 maiores empresas do mundo em investimentos em P&D. Essa abordagem focada no investimento nos ajudou a ter sucesso.

Por que conseguimos sucesso, enquanto outras empresas acham difícil? As empresas de capital aberto devem prestar muita atenção aos seus balanços. Elas não podem investir muito, senão os lucros vão cair e os preços das ações também. Na Huawei, lutamos pelos nossos ideais. Sabemos que, se fertilizarmos o “solo”, ele se tornará mais produtivo e, no final, a terra ainda pertence a nós, por isso não devemos distribuir os “fertilizantes”. Então, investimos e investimos mais que outros. Foi assim que conseguimos avançar e ter sucesso.

É diferente para empresas de capital aberto. Não somos uma empresa de capital aberto, por isso não precisamos nos preocupar com flutuações nos nossos balanços. Se fôssemos uma empresa de capital aberto, ficar no meio de uma tempestade de opinião pública como hoje com certeza faria o preço das nossas ações despencar. Mas realmente não sentimos isso. Simplesmente, continuamos avançando.

Acreditamos que nosso foco consistente nas últimas duas décadas foi o que abriu o caminho para nosso sucesso.

P4: Obrigado. Isso foi interessante. Mas seu sucesso, de acordo com o que você descreveu, está sob ameaça agora, não? Os Estados Unidos lançaram um ataque direcionado à sua empresa. O Departamento de Justiça apresentou acusações dizendo que a Huawei roubou tecnologia de uma empresa americana. Você acha isso justo?

Ren: Para começar, quais são nossos ideais para as próximas três décadas, ou até mais? Fornecer às pessoas serviços de informação. Nos próximos 20 a 30 anos, veremos uma grande revolução tecnológica. O surgimento da inteligência artificial tornará a sociedade da informação inteligente. Na era da nuvem e da inteligência artificial, veremos um crescimento explosivo de dados, que vai explodir como um tsunami. Esses dados precisam do suporte dos equipamentos de computação e conexão mais avançados possíveis.

Não acredito que o 5G ou qualquer outra forma de transmissão de dados já tenha atingido o auge das necessidades das pessoas. E acredito que ainda haja necessidades mais profundas que precisam ser resolvidas. No momento, a sociedade humana está só nas primeiras fases da enorme mudança que está por vir. E a Huawei está somente na linha de partida dessa jornada transformadora. Ainda temos um longo caminho a percorrer antes de podermos oferecer serviços de informação mais rápidos, mais em tempo real, mais precisos e mais acessíveis.

Nas últimas três décadas, a Huawei ajudou a reduzir a exclusão digital ao fornecer serviços de informação para 3 bilhões de pessoas em mais de 170 países e regiões. Com serviços de TIC acessíveis, crianças desfavorecidas que vivem em regiões remotas podem ver como é o mundo lá fora e podem crescer melhor para se tornarem a “espinha dorsal” da sociedade. A função da Huawei é oferecer serviços que tornem o mundo um lugar melhor.

Eu acho que as cobranças e acusações dos EUA contra a Huawei devem ser tratadas pela lei. Eu confio que os EUA são um país aberto e transparente, governado pelo estado de direito, então devem lidar com esses assuntos por procedimentos legais. Às vezes fico feliz [sobre o que os EUA estão fazendo com a Huawei]. Os EUA são o país mais poderoso do mundo. Seus altos funcionários estão falando sobre a Huawei onde quer que estejam, inclusive em lugares onde a Huawei ainda não lançou nenhuma campanha publicitária e ninguém nos conhece. Por causa disso, pessoas de todo o mundo agora conhecem a Huawei. A Huawei está agora no centro da discussão global. Esta é uma propaganda enorme e barata para nós. Quando as pessoas acabarem percebendo que a Huawei é uma boa empresa, nossas vendas podem ficar ainda mais fáceis. Não temos dificuldades hoje e podemos ter um ambiente mais favorável para vender nossos produtos no futuro.

Não estou muito indignado com as acusações feitas pelos EUA. Esses são casos legais em andamento. Deixe a lei seguir seu devido curso.

P5: Eu entendo. Mas eu li algumas dessas acusações que o Departamento de Justiça fez contra você. As provas são muito convincentes. Os e-mails que estão lá mostram que os funcionários da Huawei na China pediram protótipos específicos dos seus colegas nos Estados Unidos, repetidamente. Como o senhor vai negar isso?

Ren: Agora que o Departamento de Justiça dos EUA fez a acusação, vamos deixar que o tribunal decida.

P6: Eu entendo que seja um procedimento legal, mas o mundo realmente quer entender isso. Os EUA estão tentando pintar vocês como uma empresa não confiável. Eles dizem que você roubou a tecnologia das empresas americanas, e não foi a primeira vez. Eles dizem que empresas como a Cisco, Nortel e Motorola acusaram a Huawei de roubar suas ideias, roubar sua tecnologia. Os Estados Unidos estão tentando dizer que a Huawei não é confiável. O que você tem a dizer sobre isso?

Ren: Muitas das nossas tecnologias, não só a nossa 5G, switching óptico e chips ópticos, estão muito à frente das empresas ocidentais. Temos um grande número de tecnologias líderes e essas tecnologias são bem complicadas, algumas delas só nossos colegas conseguem entender mesmo. As acusações que os EUA fizeram contra a Huawei são bastante marginais. A Huawei não se tornou o que é hoje “roubando” tecnologia dos EUA. Como poderíamos roubar uma tecnologia dos EUA que eles nem têm? As pessoas precisam se concentrar em mais do que somente os problemas e fraquezas da Huawei; elas também precisam ver as contribuições da Huawei para a humanidade. A Huawei agora tem mais de 80 mil patentes. A Huawei contribuiu para a fundação de uma sociedade digital. Em outras palavras, parte da fundação da sociedade digital foi construída pela Huawei.

Somente nos EUA, obtivemos mais de 11 mil patentes. Esses são nossos direitos legítimos concedidos pela lei dos EUA. Já oferecemos muitos serviços para pessoas de todo o mundo e estamos nos tornando mais abertos. Já enviamos mais de 54 mil propostas para organizações de padrões e normas. Consideramos isso uma contribuição para a humanidade e essa contribuição merece ser reconhecida. Outros problemas devem ser resolvidos de acordo com a lei.

P7: Então, por que você acha que os EUA estão tentando pintar a Huawei como uma empresa não confiável?

Ren: Não há praticamente nenhum equipamento Huawei implantado nos EUA. Isso resolveu o problema de segurança cibernética dos EUA? Se resolveu, então outros países também podem resolver esse problema sem ter a Huawei. Sacrificar uma empresa vale a pena se for pelo bem do mundo. Mas a verdade é que os EUA ainda não resolveram seu problema de segurança da informação. Como eles poderiam compartilhar sua experiência com outros países? Se eles disserem: “Não usamos equipamentos da Huawei, mas ainda temos problema com a segurança de informações”, esse argumento poderia convencer a Europa a não usar o equipamento da Huawei? A Huawei atende a três bilhões de pessoas em mais de 170 países há mais de 30 anos. Não há registro de violações de segurança com a Huawei. Qual é a base factual das acusações dos EUA? Nossos clientes vêm experimentaram nossas redes nas últimas duas ou três décadas, e os consumidores são capazes de fazer suas próprias escolhas. Ainda temos que confiar na lei para resolver esse problema e o tribunal chegará a uma conclusão.

P8: Os EUA estão pressionando seus aliados. Eles dizem: “Não usamos equipamento da Huawei”. Estão dizendo ao mundo para não usar equipamento da Huawei, porque dizem que os equipamentos da Huawei podem ser usados pela China para espionagem. Isso é verdade?

Ren: Nos últimos 30 anos, muitos clientes escolheram não usar equipamentos da Huawei. Não é algo que começou a acontecer recentemente. Entendemos que alguns países tenham decidido não usar nossos equipamentos. Quanto às acusações de que nossos equipamentos podem conter backdoors, como afirmei nas entrevistas com o Wall Street Journal e outros meios de comunicação internacionais, nunca instalamos backdoors nos nossos equipamentos nem nos envolvemos em atividades de espionagem. Não aceitaremos nenhum pedido para fazê-lo. Se esse pedido acontecesse, eu preferiria dissolver a empresa. 

Em 16 de fevereiro de 2019, Yang Jiechi, membro da Comissão Política do Comitê Central do Partido Comunista da China (PCC) e Diretor do Escritório da Comissão de Relações Exteriores do Comitê Central do PCC, disse na Conferência de Segurança de Munique que “A lei chinesa não exige que as empresas instalem backdoors”. Ele acrescentou que o governo chinês exige que todas as empresas cumpram as leis internacionais e as leis das Nações Unidas, e enfatizou que a conformidade operacional é obrigação de todas as empresas nos países em que operam. O governo chinês também declarou oficialmente que nunca exigiu que as empresas instalassem backdoors. Eu prometi pessoalmente e a empresa como um todo prometeu também que não há backdoors em nossos equipamentos. Nosso histórico de 30 anos também prova que nosso equipamento não contém backdoors.

Eu realmente não entendo o que os EUA têm em mente. Se as empresas europeias usam equipamentos Huawei, os EUA não poderão acessar seus dados porque não conseguiriam entrar. A Europa também exigiu que seus dados não sejam transferidos para fora da região, então os EUA não conseguiram entrar, porque o nosso equipamento não contém backdoors e os EUA não poderão entrar em redes europeias.

P9: Você diz que nunca foi solicitado pelo governo chinês a criar essa porta dos fundos, e que você dissolveria a empresa se fosse solicitado. É uma empresa muito grande. Vocês tem 180 mil pessoas. Se for questão de sobrevivência entre sua empresa e talvez não criar um backdoor, mas somente dar acesso ao governo chinês, o que você faria nessa situação?

Ren: Funcionários de alto escalão do governo chinês afirmaram claramente que o governo nunca exigiu que as empresas instalassem um backdoor. A Huawei também não fará isso. Nossa receita de vendas é de centenas de bilhões de dólares, e se instalássemos backdoors, nossos clientes do mundo todo não gostariam da Huawei e não teríamos nenhum negócio. Sem negócios, como poderíamos pagar nossos empréstimos bancários? Não podemos correr esse risco. Quando eu disse “dissolver a empresa”, quero mostrar nossa determinação. Quero mostrar que jamais faremos uma coisa dessas ou entregaremos qualquer informação ao governo.

P10: Eu entendo, e acho que algumas das confusões ou equívocos sobre a Huawei são por causa de suas ligações com os militares chineses e o Partido Comunista Chinês. Você tem os mesmos privilégios especiais que talvez alguns funcionários do governo. Você tem um Comitê do Partido Comunista dentro da sua empresa. Isso levanta muitas dúvidas sobre a proximidade da Huawei com o governo chinês. Por que você tem esse comitê do partido na sua empresa? Por que você precisa dele e o que ele faz?

Ren: A Huawei está registrada na China. Portanto, devemos cumprir todas as leis e normas pertinentes na China. Precisamos pagar impostos ao governo chinês, criar empregos e cumprir nossas responsabilidades sociais, como contribuir com as comunidades locais. Na verdade, antes de nós estabelecermos uma organização partidária, as filiais chinesas da Motorola, IBM e Coca-Cola já haviam estabelecido as delas. Esta é uma exigência da lei chinesa e operamos de acordo com a lei. O papel deste comitê é unir os funcionários e incentivá-los a trabalhar mais e construir sua riqueza, pois isso é do interesse dos países, do povo e dos próprios funcionários. Os funcionários ganham dinheiro com seu trabalho; então, isso é do interesse deles. Eles também pagam impostos, então isso é do interesse dos países. A organização do partido na Huawei apenas educa seus funcionários; não está envolvido em nenhuma decisão de negócios. 

Segundo com a lei chinesa, todas as empresas na China, sejam empresas chinesas e estrangeiras, devem estabelecer uma organização partidária, e todos nós devemos obedecer à lei. Assim como os cidadãos britânicos que amam a Grã-Bretanha, os chineses também amam a China. Os britânicos apoiam o partido no poder. Se não apoiassem, por que votariam nele? Se você vota no partido no poder, você apoia o partido no poder. Na China, o partido no poder é o Partido Comunista, por isso também apoiamos o partido. Somente quando cada pessoa amar seu país e apoiar o partido no poder, um país pode avançar. Os eleitores de fora da China têm direito de expressar suas opiniões. Internautas chineses também estão fazendo isso. Nosso país está fazendo reformas, o que é compreensível. 

P11: Mas Sr. Ren, com todo o respeito, a China não é o Reino Unido. Este é um país onde as pessoas são rotineiramente presas, desaparecem. O Partido Comunista Chinês tem controle total sobre tudo aqui. Tem controle até sobre seus tribunais. Que garantia você pode dar às pessoas que estão assistindo a este programa que, se o Partido Comunista pedir que você forneça um backdoor ou que lhes dê acesso às suas informações, você poderia dizer não?

Ren: Não sei se há incidentes desse tipo na China, mas ninguém na Huawei desapareceu sem motivo. Somos uma empresa e nunca nos envolvemos em política. Conquistamos a confiança dos nossos clientes trabalhando muito e fazendo todos os trabalhos com o melhor da nossa capacidade. Nós nunca recebemos e jamais receberemos ou aceitamos subornos. Eu já disse à mídia ocidental que jamais instalaremos backdoors. A mídia oficial do governo chinês também anunciou que jamais exigirá que as empresas chinesas façam isso. Ninguém jamais me pediu isso. Isso mostra que a China acredita que as empresas devem servir a sociedade e o mundo todo; elas não podem violar as regras internacionais se quiserem se tornar globais. 

Como nenhum incidente desse tipo aconteceu e não temos experiência, não tenho como responder a essa pergunta. 

P12: Com o que parecem inconsistências com o Ocidente, ou seja o fato de o senhor ter ligações com os militares, o fato de que há um comitê do Partido Comunista Chinês em sua empresa, o fato de que a China é um estado de partido único, o senhor consegue entender porque é difícil para muitas pessoas no mundo todo acreditar que o senhor não tem influência do Partido Comunista Chinês?

Ren: O Partido Comunista da China está conduzindo a reforma e a abertura do país. Se esta reunião acontecesse há 30 anos, teria sido muito perigoso para mim. Hoje, posso receber sua entrevista e ser direto ao responder suas perguntas diretas. Isso mostra que a China tem um ambiente político mais aberto. Naturalmente, nosso país ficará mais aberto e terá mais mudanças sociais.

Trinta ou quarenta anos atrás, eu não tive a chance de estudar no Ocidente, enquanto muitos dos meus amigos estudaram nos EUA e no Canadá. Isso porque eu servia o exército, não tinha documento de identidade e, portanto, não tinha o direito de fazer isso. Portanto, perdi esse ótimo momento de estudar no exterior. Depois de voltar para a China, meus amigos me contaram o que era um supermercado. Naquele tempo, eu não tinha ideia do que era um supermercado. Você deve imaginar como era superficial a minha visão de uma economia de mercado. Agora a China já mudou muito. Pelo menos nosso sistema econômico é bem próximo ao de países ocidentais. 

Eu era um oficial de baixa patente no Exército de Libertação do Povo. Quando saí do exército, não tinha nenhuma conexão ou interação com ele. Eu não era oficial de alto escalão como os EUA descreveram. Eu servia em um projeto de construção civil comum. Comecei como técnico de uma empresa nas forças armadas e depois me tornei engenheiro. Como me saí bem, tornei-me vice-diretor de um pequeno instituto de pesquisa que tinha um pouco mais de vinte pessoas. Na verdade, esse era um cargo equivalente a um nível de subgerente, e a mais alta classificação militar que já recebi. Meu sonho na época era chegar à patente militar do tenente-coronel antes que a China reduzisse as forças armadas. Infelizmente, eu não realizei esse sonho, o que me tornou um veterano sem patente militar e sem conexões com os militares.

Então, não pense que a Huawei se tornou o que é hoje porque temos conexões especiais. Nós já vimos empresas que eram 100% estatais, mas mesmo assim faliram. A Huawei se tornou o que é hoje por causa do nosso trabalho duro. É claro que, durante esse processo, aprendemos com as filosofias, culturas e práticas de gestão ocidentais. Então, quando visita a Huawei, você pode achar que a empresa é mais ocidental do que chinesa.

P13: Você mencionou que não tem conexões com as forças armadas. Nossa pesquisa mostrou que, quando sua filha Meng Wanzhou estava viajando pelo Canadá, ela estaria viajando com um passaporte que normalmente é emitido para funcionários de empresas estatais ou funcionários do governo. Além disso, nossa pesquisa mostrou também que sua presidente, antes disso, Madame Sun Yafang, havia trabalhado em no Ministério de Segurança Pública em um momento de sua carreira, que são os serviços de inteligência aqui da China. O senhor pode me ajudar a entender por que você diz que não tem vínculos ou conexões com as forças armadas?

Ren: Primeiro, sobre os passaportes da Meng Wanzhou: A China passou por um longo período de reformas. Originalmente, a China não emitia passaportes individuais. Pessoas comuns detinham “passaportes comuns para assuntos públicos” e os funcionários do governo tinham “passaportes oficiais”. À medida que a China se abriu mais, passaportes pessoais passaram a ser emitidos. Nós viajamos frequentemente para o exterior e nossos passaportes são lotados de carimbos. Depois que todas as páginas são carimbadas, precisamos solicitar uma nova. Eu devo ter mais passaportes do que a Wanzhou, porque eu preciso renovar meu passaporte sempre que todas as páginas são carimbadas. Então, em geral, já tive muitas páginas com carimbos. Eu não sei qual é o procedimento legal para revelar quantos passaportes Wanzhou tem. Eu mesmo tenho vários passaportes. Isso porque quando todas as páginas são totalmente carimbadas, o passaporte é considerado vencido e você pode ficar com ele. Depois que eles cortam um canto da capa do passaporte vencido, alguns vistos de países ainda podem ser válidos. No entanto, cada pessoa só pode ter um passaporte válido.

Quanto a Sun Yafang, publicamos o perfil dela no site. Nossa empresa tem 180 mil funcionários. Eles vêm de várias origens. Não podemos dizer que somente pessoas com um histórico impecável como estudantes do ensino fundamental podem ser empregadas. Nossos funcionários vêm de vários lugares diferentes. Precisamos avaliar seu comportamento, e não de onde eles são. Caso contrário, como poderíamos analisar e contratar esses muitos funcionários? Portanto, você deve verificar o perfil dela em nosso site. Eu não acho bom suspeitar ou palpitar sobre por onde essa pessoa já passou. Aqueles caras que retornaram dos EUA são espiões para os EUA? Definitivamente não. Já recrutamos muitos graduados chineses dos EUA.

P14: Entendi. Eu só quero falar de um ponto da legislação chinesa. Sei que o senhor abordou a lei chinesa e que o governo lhe deu garantias de que o senhor não está vinculado a alguns artigos da legislação chinesa. Mas muitas pessoas já perguntaram que, dado o fato de que essas leis exigem que todos os indivíduos e organizações ajudem na coleta de informações, como o senhor poderia recusar, se solicitado pelo governo chinês, a ajudar na coleta de informações? Você tem escolha? Você pode se recusar?

Ren: Você precisa perguntar isso ao Ministério da Justiça. Eu não posso responder a perguntas sobre as leis chinesas. O que posso dizer é que jamais faríamos isso. Nunca fizemos isso antes. Não estamos fazendo isso hoje. Não faremos isso amanhã. Nossa empresa está assumindo uma fantástica responsabilidade de trazer o mundo para a sociedade da informação. Em nosso processo de nos tornarmos líderes mundiais, precisamos liderar estabelecendo regras e padrões consistentes, então não podemos fazer esse tipo de coisa. Pessoalmente, sou categoricamente contra esse comportamento. Meus subordinados e sucessores não fariam esse tipo de coisa. Esta é minha resposta a esta pergunta.

Muitos países podem decidir não acreditar em nós ou não trabalhar conosco. Porém, neste mundo grande, ainda há muitos países que nos acolhem. Nós já obtivemos 30 contratos de 5G e enviamos mais de 30 mil estações de base 5G. As pessoas estão cada vez mais cientes dos nossos produtos avançados e estão mais dispostos a nos aceitar. Deixe os fatos falarem por si só. Não podemos depender de especulação, pois especulação não é a lei e as acusações não são decisões judiciais.

P15: Então, o senhor está dizendo que, se os países continuarem levantando esse tipo de preocupação com a segurança, vocês não vão querer fazer negócios com eles e não entrarão em seus mercados?

Ren: Não. Nós entendemos suas preocupações. Se eles estão preocupados hoje, podemos adiar e esperar até que suas preocupações sejam resolvidas. Não queremos causar problemas para outros governos.

O Reino Unido também tem preocupações quanto a nós, mas isso não afeta nosso investimento no país. Acabamos de comprar 202 hectares de terra no condado de Cambridge para construir uma fábrica de chips ópticos. Estamos guiando o mundo em chips ópticos. Essa planta visa exportar chips ópticos para vários outros países. Nossa fábrica no Reino Unido será supervisionada pelo Reino Unido. Por que não podemos vender chips que passaram por supervisão do Reino Unido para outros países do ocidente? Dessa forma, não precisamos produzi-los na China. Os chips fabricados na China podem ser vendidos na China e em outros países que aceitam chips chineses. Portanto, nosso investimento no Reino Unido é bem pesado. Não estou dizendo que, se vocês duvidarem de nós, não investiremos no seu país. São duas coisas diferentes. Podemos não operar no seu mercado, mas isso não influencia nossos esforços para implantar recursos estratégicos de forma razoável. Mais cedo ou mais tarde, as pessoas saberão que somos pessoas honestas.

P16: O governo do Reino Unido, como o senhor sabe, disse que pode contornar ou mitigar os riscos encontrados na sua tecnologia. Mas isso não significa que ainda não possa proibir a Huawei, no Reino Unido, de 5G. O que você faria se o Reino Unido decidisse banir a Huawei definitivamente? Você tiraria seu investimento do Reino Unido? Você cortaria empregos lá?

Ren: O Reino Unido tem sido um lugar bem cordial conosco. Nos últimos anos, temos tido uma parceria muito boa com o governo do Reino Unido. Estabelecemos nosso centro de avaliação de segurança no Reino Unido e nos oferecemos para mostrar todas as informações ao governo do Reino Unido. O Reino Unido sabe que temos lacunas em nossa engenharia de software nas últimas três décadas. Isso porque nossa arquitetura de software não é científica o suficiente e nosso código-fonte não é suficientemente padronizado. Essas lacunas devem ser abordadas e nossa engenharia de software deve melhorar para garantir que as redes fiquem mais seguras. O relatório do Conselho de Supervisão do Reino Unido não é uma negação total para nós. Ele apenas aponta as questões que precisam ser abordadas. Estamos determinados a fazer as mudanças e muitos de nossos funcionários já começaram a fortalecer o software para adequá-lo aos padrões do Reino Unido.

A partir de agora, investiremos um total de mais de 100 bilhões de dólares para reestruturar toda a rede nos próximos cinco anos. Reestruturar a rede é simplificar arquiteturas de rede, estações base e modelos de transação. E também é garantir o mais alto nível de segurança de rede interna e externa e observar o RGDP da Europa para proteger a privacidade. Ao mesmo tempo em que estamos reestruturando a rede, também estamos fazendo progresso nos negócios. Acreditamos que, daqui a cinco anos, nossa receita de vendas vai ultrapassar US$ 250 bilhões. As dúvidas dos EUA não estão encolhendo nosso mercado. Em vez disso, nosso mercado está crescendo. Quando os clientes veem um poder tão grande em brigar com nossa pequena empresa, isso prova que somos bom de verdade no que fazemos. Podemos até aumentar nossos preços. Alguns países que não compram de nós podem resultar em preços mais altos para outros países. Podemos até aumentar os preços para os países que voltarem para comprar de nós. É como fazer compras no shopping. Se você pechinchar e sair sem comprar, e voltar para comprar, sabendo que você quer as roupas, o vendedor não vai abaixar o preço, pode até aumentar um pouco. Esses aumentos no preço podem ser usados para garantir uma melhor segurança da rede, em vez de dar de graça. Não queremos enfatizar esses aumentos de preços, só queremos enfatizar nossos esforços para construir redes melhores. No futuro, nossas redes serão inteligentes e o mundo inteiro será impulsionado pela nuvem. Em um mundo inteligente, orientado pela nuvem, nossa empresa fornecerá os produtos mais seguros e confiáveis. Até lá, você vai precisar comprar de mim. Não haverá outras opções. Assim, temos a oportunidade de investir e reformar.

O Reino Unido tem algumas preocupações conosco. Essas preocupações nos levam adiante. Eu não acho que elas sejam ruins. Na verdade, eu as vejo como progresso. Uma vez que reconhecemos nossos problemas, precisamos fazer o melhor para resolvê-los. Não somos uma empresa que pode fazer tudo perfeito, então precisamos melhorar constantemente. Atualmente, um grupo de funcionários incrível se envolveu na modernização da rede no Reino Unido. É altamente provável que eles se tornem pilares fundamentais para a reestruturação da rede depois da melhoria e abraçarão responsabilidades maiores.

P17: O senhor parece bem confiante. E parece que não acredita que os EUA convencerão seus parceiros a deixar de fazer negócios com vocês. Por que o senhor está tão confiante de que os EUA não conseguirão que outros países proíbam equipamentos da Huawei? 

Ren: Seus aliados podem ou não acreditar neles. Para os países que acreditam neles, vamos aguardar. Para países que acham que a Huawei é confiável, podemos acelerar um pouco mais. O mundo é muito grande; não podemos estar em todos os cantos. Se todos os países escolherem comprar nossos produtos hoje, nossa empresa ficará sobrecarregada. Não conseguimos vender ou produzir produtos suficientes para o mundo todo. Portanto, acreditamos que os países que nos aceitarem, um de cada vez, será melhor para um desenvolvimento sustentável.

P18: Que tipo de impacto sua empresa sofreria se os EUA tivessem sucesso em conseguir que muitos de seus parceiros do Ocidente desligassem seus equipamentos? 

Ren: Quando o oeste fica escuro, fica claro no leste. Quando escurece no norte, ainda temos o sul. Os Estados Unidos não representam o mundo inteiro, só um grupo de pessoas.

P19: Mas os EUA são um país poderoso. Eles têm muita influência, inclusive nesta parte do mundo. O que você faria se eles conseguissem convencer seus cliente até mesmo na Ásia-Pacífico, por exemplo? Isso não seria suficiente para matar suas ambições de 5G no Ocidente e ao redor do mundo?

Ren: Não há possibilidade de os EUA nos esmagar. O mundo precisa da Huawei porque somos mais avançados. Eu acho até mesmo que se eles convencessem mais países a não nos usarem por enquanto, poderíamos simplesmente reduzir tudo um pouco. Não somos uma empresa de capital aberto e não estamos lutando por bons balanços. Uma redução nos ajudará a sermos bons de verdade no que fazemos, por isso vamos estar prontos para fazer produtos melhores que as pessoas vão adorar.

Ao mesmo tempo, os EUA estão sempre lançando acusações contra nós, encontrando falhas em nós. Isso nos impulsiona a melhorar nossos produtos e serviços, o que faz com que nossos clientes gostem mais de nós. É aí que mora a nossa oportunidade. Somente se os clientes gostassem de nós é que estariam dispostos a comprar de nós, apesar das dificuldades. Não estou muito preocupado com qualquer dúvida nos EUA ou em outros países. Se eles apontarem qualquer área em que precisamos melhorar, vamos melhorar.

P20: Quanto você acha que isso é inveja do desempenho da Huawei ou da China?

Ren: Nós somos apenas um brotinho. Eu não acredito que uma grande nação como os EUA tenha muito do que ter inveja. Os EUA estão em uma posição de poder absoluto há décadas. E vão manter suas forças relativas pelas próximas décadas. A Huawei é apenas um broto que surgiu do nada. Os EUA teriam inveja de um broto? Eu acho que não. Eles têm uma tecnologia muito forte e um futuro muito promissor. Então não acho que eles estão agindo por inveja. Eles provavelmente só não nos entendem. Se nos entendessem, eles não estariam tão desconfiados. Eu gostaria muito que os agentes do governo dos EUA pudessem vir nos visitar como vocês fizeram. Veja o nosso Xi Liu Bei Po Cun, nossa pesquisa e o ambiente aqui, conheça nossos cientistas, veja como eles são dedicados, a atenção que eles dão aos detalhes. Os EUA são um país inovador. Eles têm mente aberta, muito mais aberta do que a minha. Eu nunca tive inveja de ninguém, e os EUA não estão com inveja de nós.

P21: E quanto à China? Você acha que os EUA estão com inveja da China? 

Ren: Eu não entendo completamente a relação entre esses dois governos e países. A Huawei é uma organização empresarial e raramente nos envolvemos em política. Em vez disso, nosso foco é nosso próprio desenvolvimento. Pessoalmente, acho que a China deveria continuar se abrindo para o resto do mundo. Na China, eu nunca disse nada contra os EUA ou outras empresas ocidentais. Mesmo quando a Huawei estava sendo tratada injustamente pelas empresas ocidentais, expressei minha esperança de que o governo chinês evitasse reduzir a participação no mercado de empresas ocidentais na China, e eu até solicitei que nossos funcionários não atacassem sua parte do mercado.

Eu acredito que a China pode se beneficiar da política de reforma e abertura. A China já tentou mais ou menos se isolar do mundo exterior por 5 mil anos. No entanto, éramos pobres, ficando atrás de outras nações. Foi somente nos últimos 30 anos, desde que Deng Xiaoping abriu as portas da China para o mundo, que a China se tornou mais próspera. Portanto, a China deve continuar avançando no caminho da reforma e abertura. Eu não acho que a China deveria fechar suas portas por causa da Huawei, e também não acho que os EUA vão fechar as portas. A história de 250 anos dos EUA tem sido de abertura. Durante esse período, o país já atraiu os melhores talentos e civilizações do mundo e fez as maiores conquistas que o mundo já viu. É por isso que não acredito que os EUA fechem suas portas para o mundo exterior. A China também não deveria fazer isso. A China é um país em desenvolvimento, e precisamos aprender com empresas ocidentais a dar boas-vindas a seus investimentos e incentivá-los a fazer negócios aqui. Nossa população de 1,3 bilhão representa um mercado enorme. Eu não acho que as empresas ocidentais vão abandonar este mercado e com certeza eu não quero ver isso acontecer.

Depois que Meng Wanzhou foi presa no Canadá, os chineses ainda estavam se aglomerando para comprar roupas da Canada Goose. Isso mostra que os chineses não são excessivamente emocionais ou populistas. Acho que isso faz parte do impacto que os avanços sociais dos últimos 30 anos tiveram na mente das pessoas. Devemos reconhecer que a China é um país aberto e está se tornando cada vez mais aberta, o que é ótimo para o mundo. Se todos tiverem essa perspectiva, certamente haverá menos confronto. A globalização econômica é uma obrigação, não uma escolha. Durante a revolução industrial, uma máquina de costura, bicicleta, carro, trem ou navio poderia ser fabricada em um país. No entanto, é impossível para qualquer país construir uma sociedade da informação por conta própria. Isso deve ser estabelecido por muitos países que trabalham juntos, seguindo um conjunto de padrões acordados. Portanto, acreditamos que, na sociedade da informação, a abertura e a colaboração vão beneficiar enormemente todos os países, e a China deve continuar a se abrir para o mundo. Nós não queremos que a China se feche por causa da Huawei. Eu quero que a China continue se tornando ainda mais aberta. Talvez um dia veremos que muitas características da China são comparáveis às do Reino Unido. Temos visto um progresso social muito claro. Por exemplo, muitas pessoas cuspiam na rua há 30 anos, mas muito menos pessoas fazem isso hoje em dia. No passado, as pessoas se aglomeravam para entrar em um ônibus, e até empurravam os outros para o lado. Agora, no entanto, as pessoas estão muito mais inclinadas a se alinharem em filas e entrar nos ônibus de maneira ordenada. Todos esses são sinais do progresso na China. Devemos nos lembrar de um progresso tão positivo, e lembre-se de que os países ocidentais demoraram centenas de anos para chegar onde estão hoje. Há muitos filmes sobre a expansão das fronteiras quando os EUA começaram a desenvolver suas regiões ocidentais, e que mostram que havia muitos problemas na época. No entanto, depois de permanecerem abertos todos esses anos, os EUA estão altamente desenvolvidos hoje. Acreditamos que a China vai se abrir e progredir ainda mais rapidamente no futuro, e que o mundo inteiro vai alcançar o mesmo nível avançado de civilização.

P22: Você falou sobre como as empresas chinesas surgiram e como a China mudou. Foi isso o que eu ouvi você dizer para mim. Mas as alegações dos EUA são de que muitas dessas empresas e mudanças que você descreveu foram injustas, de que as empresas chinesas como a sua têm uma vantagem injusta aqui na China, e é por isso que elas são bem-sucedidas no mundo todo. Elas recebem apoio do governo e também têm conexões no governo daqui que as auxiliam na expansão internacional. O que você diria a eles?

Ren: Em primeiro lugar, não posso falar em nome de todas as empresas chinesas. Eu só posso representar a Huawei. Nunca gerenciei ou conheci outras empresas e, portanto, não posso falar em nome delas. Mas qualquer empresa seria prejudicada no exterior se não seguisse as leis internacionais e as leis dos países em que opera. Se isso ocorresse, elas teriam que aprender com essas experiências.

Quando a Huawei começou a operar fora da China, aprendemos muito sobre gerenciamento de empresas ocidentais. Nossos relatórios financeiros são auditados pela KPMG de acordo com procedimentos rigorosos. Todos os problemas serão identificados e devem ser corrigidos. Levamos 30 anos para nos tornamos uma empresa organizada. Acredito que outras empresas chinesas aprenderam muito com suas dificuldades e outras experiências fora da China. A Huawei não recebe subsídios do governo e os relatórios de auditoria da KPMG estão disponíveis publicamente. Ficaremos felizes em lhe fornecer uma cópia de um relatório de auditoria para que você possa ver como a KPMG, uma empresa dos EUA, audita a Huawei e mostra como é a Huawei.

Eu acho que a sociedade chinesa como um todo está progredindo gradualmente. Há, claro, sempre pessoas más por aí. Podemos ler diariamente nos jornais pessoas más que foram presas. Isso significa que a China está adotando gradualmente um estado de direito muito eficaz e otimizando os sistemas relevantes.

P23: Você sente agora, como resultado da pressão dos EUA sobre alguns dos países ao seu redor, que será forçado a entrar em outros mercados? Quais são os outros mercados que podem se opor a você?

Ren: Um dos principais valores da Huawei é manter o foco no cliente. Se os clientes escolherem a Huawei, oferecemos a eles serviços excelentes. Se eles não nos escolherem, simplesmente não forneceremos serviços a eles. Em relação a quais países nos aceitam ou nos recusam, essa escolha não foi feita em muitos países. As matérias da imprensa não representam a política do governo ou a lei. Se uma lei foi instaurada para proibir a Huawei, então devemos cumprir essas leis e parar de fazer negócios nesses países. Os comentários pessoais de funcionários do governo não são a lei ou política do governo. Os EUA não promulgaram nenhuma lei sobre a Huawei. Se eles tivessem tal lei, nós a seguiríamos, mas essas leis ainda não existem.

P24: Dado o fato de que os EUA estão tentando convencer seus aliados ao redor do mundo a não fazer negócios com vocês, quais são alguns dos outros mercados que você está considerando? Sei que você diz que esses países ainda não os baniram, mas você está olhando para outros mercados?

Ren: Nós não prestamos atenção em determinados países. Em vez disso, prestamos atenção nos nossos clientes. Se nossos clientes escolherem a Huawei, faremos o melhor para atender às suas necessidades. Se os clientes não nos escolherem, tentaremos atendê-los no futuro.

P25: Então o Reino Unido é um país que ainda está pensando em usar a Huawei. Ele quer trabalhar com vocês e está tentando mitigar alguns dos riscos tecnológicos. O que você diria aos consumidores do Reino Unido para tranquilizá-los sobre algumas das preocupações de segurança de que falamos, que você não é uma empresa que está ajudando a China a espionar o mundo?

Ren: Nosso problema no Reino Unido está relacionado principalmente ao software. Existe um software que foi escrito quando éramos uma empresa menor, que precisa ser mais resiliente. Mas não há backdoors, questões de segurança ou questões relacionadas com a privacidade. O software precisa ser mais robusto; caso contrário, as redes podem ficar mais vulneráveis ou cair em caso de um ataque. No entanto, isso não aconteceu nos últimos 20 anos ou mais. As redes são enormes. Nenhum país ou empresa pode dizer com certeza que o seu equipamento é absolutamente confiável. Isso é simplesmente impossível. O governo do Reino Unido está nos dando um aviso prévio de que as redes da Huawei poderão estar vulneráveis e poderão cair no futuro, no caso de um ataque, se não agirmos para melhorá-la. Estamos trabalhando para resolver esse problema, e ele não tem um impacto sobre os consumidores.

P26: Quero apenas continuar a falar sobre o Reino Unido por um momento. Dado o fato de que a decisão ainda não foi tomada lá, o quão importante é o futuro da Huawei no Reino Unido com relação aos seus planos de investimento e de emprego? Você é capaz de garantir que você não vai sair do Reino Unido, de que não vai acabar com os postos de trabalho no Reino Unido?

Ren: A Huawei emprega cerca de 1.500 pessoas locais e criou direta e indiretamente 7.500 postos de trabalho no Reino Unido. Temos centros de P&D em Edimburgo, Bristol e Ipswich. Recentemente, decidimos estabelecer uma fábrica de chips ópticos em Cambridge. Também temos um centro de treinamento em Birmingham. Não vamos retirar esses investimentos. Continuamos comprometidos. Por quê? Acreditamos que o Reino Unido vai comprar nosso equipamento mais cedo ou mais tarde. Não podemos cortar nossos laços com eles apenas porque não estão comprando no momento. Se você vê uma jaqueta em um shopping center de que realmente gosta, mas não pode comprá-la porque está reservada para outra pessoa, isso significa que nunca mais vai fazer compras nesse shopping? Você voltaria nele para ver se chegaram novas peças e iria comprá-la assim que estivesse disponível. Para nós, o Reino Unido vai nos oferecer muitas "roupas" mais cedo ou mais tarde, e vamos visitar esse "shopping" novamente. Não vamos retirar o nosso investimento. Pelo contrário, vamos continuar a investir. Temos confiança no Reino Unido, e esperamos que o Reino Unido tenha mais confiança em nós, para que possamos continuar a fazer mais investimentos no país.

Se os EUA não confiar em nós, investiremos mais no Reino Unido. Dê uma olhada no tamanho do espaço que compramos em Cambridge, e verá a ambição que temos no Reino Unido. Não vamos deixar de visitar o shopping só porque ele não nos vendeu a jaqueta naquele momento. Não vamos fazer isso.

O Reino Unido manteve-se aberto ao longo dos anos, e estou realmente impressionado com isso. Acredito que todos os problemas que enfrentamos no Reino Unido podem ser solucionados.

P27: Você espera que o exemplo do Reino Unido ajude a convencer outros aliados na Europa também?

Ren: Não queremos usar o exemplo de um país para convencer os outros. Se o governo do Reino Unido fizer a decisão certa e colocar sua confiança na Huawei, poderemos fazer grandes investimentos no país. Na verdade, temos grandes investimentos em muitos outros países, incluindo Alemanha, Hungria, França e Itália. Mas ainda assim o Reino Unido está em posição de liderança.

Como você sabe, o Reino Unido é o lar da Arm, uma empresa especializada no desenvolvimento de CPUs. Anos atrás, a Huawei estava preocupada que os EUA não fosse vender CPUs para nós, por isso optamos por fortalecer a nossa parceria com a Arm em um momento em que ela não era tão grande. A Arm foi vendida por 32 bilhões de dólares em 2017. Com o dinheiro, ela desenvolveu ainda mais. Hoje, o Reino Unido, ou a Europa, ganhou seu lugar na indústria de CPUs, junto com os EUA. No espaço de comunicação há elétrons, fotônica e quântica. Com a fábrica de chips fotônicos que planejamos construir no Reino Unido, o Reino Unido, ou a Europa, vai ganhar uma posição de liderança contra os EUA, pois não há empresas norte-americanas trabalhando na mesma tecnologia atualmente. Com isso, a Huawei criou muitas oportunidades para o Reino Unido e para a Europa competirem igualmente [como os EUA]. Já houve preocupações na Europa de que não havia empresas europeias de TI ou de software tão bem-sucedidas quanto as empresas norte-americanas. O sucesso pode ser esperado com a nossa colaboração futura. Devido ao envolvimento da Huawei nesses dois projetos, a Europa ficou em pé de igualdade na vanguarda. A Europa deve entender o que estamos fazendo lá. Vemos a Europa como um mercado doméstico. Queremos estar profundamente integrados com as comunidades locais e nos desenvolvermos como uma empresa local na Europa. Se tivéssemos de retirar o nosso investimento, todos os nossos esforços anteriores ao longo dos anos seriam em vão.

P28: Sr. Ren, eu gostaria de falar sobre o problema com a sua filha. Esse é um pessoalmente um momento muito difícil para você. Ela está no Canadá, foi presa a pedido dos Estados Unidos e enfrenta a possibilidade de extradição. Como você se sente sobre isso e o que vai fazer se ela for presa?

Ren: Oponho-me a que os EUA têm feito. Esse tipo de ato motivado politicamente não é aceitável. Os EUA gostam de sancionar os outros sempre que há um problema. Eles vão usar tais métodos, nós nos oporemos a eles. Mas agora que chegou a esta fase, vamos deixar o tribunal decidir.

P29: Você diz que é contra isso e que isso foi motivado politicamente. A China está dizendo agora que a liberdade da sua filha poderia ser um fator da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. Como você se sente sobre a sua família ser arrastada para o conflito entre os EUA e a China?

Ren: Eu não sei se o governo chinês disse isso. Só sei que Trump disse algo com esse efeito. Não acho que o caso de Meng Wanzhou faz parte das negociações comerciais entre a China e os EUA. Nunca vi uma única palavra sobre isso em qualquer imprensa ou anúncio público, além da afirmação de Trump de que isso poderia ser considerado durante as negociações comerciais. Ele disse que os EUA considerariam isso, mas o governo chinês não. Pessoalmente, não gostaria de ver a Huawei no caminho do processo de reforma e abertura da China. Espero que a China permaneça aberta para os EUA, o Reino Unido e o resto do mundo, para que possamos trabalhar juntos para que o mundo avance.

P30: Por que você acha que a Huawei está sendo arrastada para a guerra comercial dessa forma?

Ren: Eu não faço ideia. Não acho que a Huawei tenha nada a ver com a guerra comercial entre a China e os EUA. A luta entre os dois países é intensa, mas a nossa receita de vendas está crescendo rapidamente. Na minha opinião, a guerra comercial não teve qualquer impacto sobre nós.

P31: Como é para você como pai para ver sua filha em uma situação tão difícil?

Ren: Os grandes homens crescem com as dificuldades. Ao longo da história, muitas grandes pessoas sofreram com as muitas dificuldades. As dificuldades são um trunfo importante de nossas vidas. Nós aceitamos que isso tenha acontecido e confiamos na lei para resolver o problema.

P32: Ela era uma sucessora, que você esperava que se tornasse CEO um dia? Quanta perda foi causada pela ausência dela em sua empresa?

Ren: Primeiro, ela nunca poderia se tornar a minha sucessora, pois não tem conhecimento técnico. Meu sucessor deve ter a capacidade de adquirir conhecimentos técnicos e ser capaz de fazer julgamentos sobre as tecnologias futuras e as necessidades dos clientes. Ela tem formação na área financeira e é uma gestora exemplar. No entanto, ela não tem essa qualidade especial necessária para uma liderança forte, para apontar o caminho a ser seguido como um farol. Ela não é a minha sucessora, com certeza.

Para responder à sua segunda pergunta. A perda de liberdade de Meng Wanzhou não afeta os negócios da Huawei. A empresa está realmente crescendo mais rápido e melhor. Pode ter sido um erro prender Meng Wanzhou. Eles podem ter pensado que a Huawei iria desmoronar se prendessem Wanzhou, mas essa detenção não nos derrotou. Ainda estamos avançando. Nossa empresa opera com base em processos e procedimentos estabelecidos e não depende em um único indivíduo. Mesmo quando eu não estiver mais aqui, a empresa não vai parar de caminhar para a frente.

P33: Parece que o mundo está caminhando para uma espécie de divisão, de um lado onde a tecnologia ou as empresas empresas são bem-vindas, como você, e de outro onde elas podem não ser, como nos Estados Unidos. Caso exista tal divisão, como você acha que ela poderia afetar o sucesso futuro da Huawei? 

Ren: Não acho que estamos prontos em nossa mente para liderar o mundo. Acho que os EUA ainda lideram o mundo em tecnologia e ciência. Simplesmente não temos a capacidade de dominar. Ainda somos um dos muitos jogadores que estão tentando fazer a sua parte para servir à humanidade. Não pretendemos obter mais quota de mercado. Apenas queremos seguir em frente em nosso próprio ritmo, sem dificultar o desenvolvimento de outras empresas. Não temos a intenção, nem a capacidade de dominar o mundo.

P34: Entendo o que você está dizendo e agradeço. Quero entender que tipo de relacionamento as empresas chinesas tiveram com seu governo. É completamente diferente da maneira como as empresas dos EUA e da Europa operam. Você pode nos explicar esse tipo de relacionamento?

Ren: Eu não sei sobre outras empresas. Só conheço a minha própria. Acho que toda empresa deve operar de acordo com a lei e pagar impostos. Se não pagarmos impostos suficientes, teremos problemas. A Huawei é uma empresa que opera em conformidade com todas as leis aplicáveis. Eu não sei sobre outras empresas. Eu não posso falar por elas.

P35: Você acha que o dano à reputação da Huawei já foi feito?

Ren: Não, eu realmente gostaria de agradecer ao governo dos EUA pela grande publicidade que eles fizeram por nós. Sentimo-nos muito orgulhosos de podermos enfrentar um país tão poderoso.

P36: Você acha que o sistema chinês e a percepção de como ele opera torna mais difícil para as empresas chinesas terem sucesso globalmente?

Ren: Eu não sei muito sobre outras empresas e seus sistemas de gestão. No entanto, cumprimos todas as leis aplicáveis nos países onde operamos, incluindo as resoluções da ONU. Não estou preocupado com o que as outras empresas fazem, porque elas não me pagam dinheiro. Por que eu deveria me importar com elas? Minha única preocupação é a Huawei. Permanecemos fiéis aos interesses do cliente e nunca teremos quaisquer outras intenções.

P37: Eu aprecio o que você está dizendo e porque você, como uma empresa, é cauteloso em relação à política. Mas o resto do mundo olha para a China e olha para a forma como este governo opera. Vê que está se tornando mais opressiva. E pensa em como uma empresa como a sua, que opera na China, estará livre dessa influência quando se expandir para o resto do mundo. O que diria a isso?

Ren: Fazemos negócio em outros países para ganhar dinheiro. O governo chinês não tem nada a ver com o nosso desenvolvimento no exterior. De qualquer maneira. Cumprimos todas as leis aplicáveis​ nos países onde operamos, e todo o dinheiro que ganhamos em outros países está sujeito à gestão do State Administration of Foreign Exchange da China. Essa é toda a pressão que enfrentamos por parte do governo. Ainda não está claro se a nossa taxa de imposto vai cair quando pagarmos impostos ao governo chinês pelos nossos lucros no exterior. Pelo que sei, não acho que existam tais requisitos. Mas não posso representar outras empresas.

Não sei nada sobre outras empresas e não tenho relações pessoais com qualquer uma delas. Eu dedico meu coração e alma para a Huawei e a leitura de alguns livros. Portanto, não sei sobre outras empresas e não posso responder a perguntas sobre elas.

Na China, nós estudamos as leis que se aplicam às nossas operações, e não temos muito conhecimento sobre outras. Não sou um político que pode comentar sobre a lei. Sou um homem de negócios, não um empreendedor.

P38: Sei que você diz que não é da sua competência comentar de uma perspectiva política, mas o governo chinês tem sido bastante vocal na defesa da Huawei para o resto do mundo. Ele tem sido muito estridente quando diz para o mundo que Huawei é inocente e que a prisão de Meng Wanzhou não foi uma decisão certa. Como uma empresa chinesa, isso dificulta sua operação no exterior?

Ren: Primeiro, é dever do governo chinês proteger seu povo. Se os EUA tenta obter vantagem competitiva minando o mais notável talento de alta tecnologia da China, então é compreensível que o governo chinês proteja suas empresas de alta tecnologia. Isso é bom para o desenvolvimento econômico da China.

Agora que nosso caso já está em processo judicial, não vou fazer mais comentários sobre ele. As leis dos EUA e do Canadá devem primeiro ser abertas e transparentes e, em seguida, ser justas e corretas. Os EUA devem fazer toda a correspondência com a Huawei, de modo que possamos entender todo o processo, e a razão para suas ações contra a Huawei, em seguida, fazer julgamentos e nos defender no tribunal. Agora que já começou o processo judicial, não vou fazer mais comentários sobre ele.

P39: Se há uma coisa que você diria para o mundo agora, o que seria?

Ren: No futuro, a sociedade da informação será caracterizada pela colaboração para o sucesso compartilhado. Estamos em uma era da Internet, onde o conhecimento e a cultura não pode ser restritos a um lugar, ou disponíveis apenas para as poucas pessoas que vão utilizá-los para criar algo. Este foi o caso apenas quando o transporte não estava totalmente desenvolvido, quando o trem, a balsa e o carro não tinham sido inventados. Naquela época, era compreensível que aqueles lugares que sabiam cultivar com mais eficiência ficariam ricos, enquanto outros não. Mas hoje em dia, os meios de transporte estão desenvolvidos. As ferramentas de comunicação e a Internet estão bem desenvolvidas. Civilizações avançadas podem surgir em qualquer lugar. O futuro mundo inteligente e a era da nuvem entrarão em forma somente quando essas civilizações avançadas se unirem. Essa época será criada em conjunto pelo mundo inteiro, e não um único país ou uma empresa. Devemos trabalhar juntos para criar uma sociedade melhor para a humanidade, e na Huawei acreditamos que estamos apenas fazendo nossas parte.

P40: Você acha que o ocidente não entende empresas chinesas como a Huawei ou a própria China?

Ren: No ocidente, são apenas os políticos que não nos entendem. As empresas ocidentais e os cientistas conhecem a Huawei muito bem. Ainda esta manhã, me encontrei com o CEO de uma grande empresa ocidental e tivemos uma discussão muito boa. Tais pessoas não são hostis a nenhuma empresa, porque estamos na mesma indústria, e nós entendemos onde estamos. No entanto, os políticos podem não nos entender bem. Eles podem se perguntar como é possível uma empresa tão avançada vir do que foi anteriormente um país tão pobre. Eles deveriam visitar a Huawei, para que eu possa recebê-los e responder a quaisquer perguntas que possam ter. Eu os receberia com prazer.

Eu te dei respostas honestas hoje sem quaisquer respostas pré-concebidas, e farei o mesmo com eles. Com o tempo, eles vão nos entender.

P41: Como eu estava dizendo a você antes, eu li seus segredos à liderança: ser humilde, ter paixão e sempre estar aprendendo. Estou certo?

Ren: Sim você está certo.

P42: E você acredita no elemento fogo, pois quer que todos tenham fogo em sua paixão. Mas também acha que o fogo deve ser restringido. É por isso que você gosta de lareiras. É verdade?

Ren: Lareiras e fogueiras não têm nada a ver comigo. Eles são apenas decorações em um edifício. Às vezes, sentar junto à lareira para uma conversa cria uma atmosfera, mas não tem nada a ver com o meu amor por lareiras. Eu amo muitas coisas. A região rural é a minha favorita. Meu maior arrependimento é que eu não me tornei um agricultor. Eu li um monte de livros e notícias sobre agricultura e como cultivar. O que eu faço e o que eu gosto de ler estão em conflito. O fogo não necessariamente significa algo para mim.

Este é o nosso relatório anual auditado por uma empresa de contabilidade dos EUA. Isso diz a verdade sobre nós.

P43: O que eu ouvi de você durante a entrevista é, parece-me, que você é um homem de negócios muito comprometido e que só deseja administrar sua empresa. Você quer servir os seus clientes, ter a melhor tecnologia do mundo e investir em pesquisa e desenvolvimento. Tornou-se muito difícil para você se concentrar apenas em seu negócio, certo? Tornou-se muito desafiador focar apenas em seu negócio, devido a todas estas controvérsias e acusações que o cercam.

Ren: Eu também me preocupo com a minha filha. Tenho três filhos e me preocupo com todos eles. Eles têm suas próprias personalidades, e nem sempre se dão bem. Quando Meng Wanzhou era jovem, eu estava no exército e muitas vezes longe de casa. Sua mãe cuidou dela. Eu tinha que ficar longe de casa durante 11 meses por ano, e quando eu estava em casa por apenas um mês ela passava o dia na escola, fazia sua lição de casa à noite e, em seguida, ia dormir. Nós não passamos muito tempo juntos, mas ela sempre trabalhou duro e ela é ótima com as pessoas e as coisas.

Ainda me lembro quando ela estava estudando na Universidade Huazhong de Ciência e Tecnologia, sua mãe me disse para dar a ela algum dinheiro e eu dei-lhe 10.000 RMB. Quando ela se formou, ela devolveu 9.500 RMB para mim. Ela é muito simples. Na primeira vez que ela foi a Moscou para uma exposição, dei-lhe cerca de 5.000 dólares. Quando ela voltou, me devolveu mais de 4.000 dólares. Gastou pouco dinheiro. Ela também é muito independente. Quando começamos a trabalhar com consultores da IBM sobre o programa Integrated Financial Services (IFS), ela era a gerente do programa e trabalhou arduamente. Dedicou-se ao programa por dez ou vinte anos. Ela tem uma profunda compreensão do gerenciamento de projetos, e tem feito um ótimo trabalho nas finanças.

Aqueles que fazem um excelente trabalho nas finanças estão interessados em equilíbrio, gestão e eficiência. Não esperamos que os líderes da Huawei se concentrem em equilíbrio horizontal, mas mergulhem verticalmente para obter avanços. Por isso, é impossível para a minha filha para ser o CEO ou presidente. Isso volta à sua pergunta anterior.

Quando Meng Wanzhou foi detida, como pai, meu coração se partiu. Como eu poderia ver a minha filha sofrer assim? Mas aconteceu. O que eu poderia fazer? Nós só podemos resolver o caso na justiça. Não acreditamos que cometemos qualquer irregularidade, pois somos muito rigorosos conosco na Huawei. Como poderia haver qualquer irregularidade?

Os Estados Unidos vão disponibilizar suas provas no futuro, e o tribunal vai chegar a uma conclusão. Por enquanto, Wanzhou está sob prisão domiciliar, mas ela ainda tem uma força de vontade forte e está estudando vários cursos on-line todos os dias. Alguns de nossos colegas ainda se comunicam com ela online sobre questões de estratégia da empresa.

Como pai, não posso me deixar ser dominado pela emoção. Quero ver meus filhos voar alto e livres. Todos os meus filhos têm personalidades fortes. Eles estão trabalhando duro para se tornarem melhores. Como pais, não podemos pedir aos nossos filhos para permanecerem ao nosso lado para sempre. Acho que o desenvolvimento pessoal deles é mais importante.

Acredito que essa dificuldade é uma oportunidade valiosa para ela. Enfrentar um grande problema vai lhe dar força para o futuro. Acho que eu deveria agradecer ao governo dos EUA por isso. Acredito que ela vai chegar a alturas ainda maiores por causa disso.

P44: Tem sido dito que você demorou muito tempo para falar com a mídia. Você tem estado muito calado, longe da imprensa. As pessoas dizem que é porque você é secreto, que a Huawei é secreta. Por que você demorou tanto tempo para se abrir e abrir a Huawei para o mundo? Por que foi preciso ter esta crise?

Ren: Honestamente, a Huawei sempre manteve um perfil bastante elevado. Todos os nossos líderes, pessoas como Richard Yu e Eric Xu, falam publicamente todos os dias. Então por que eles não se tornaram uma celebridade da Internet? Por que todo mundo se concentrou em mim? Eu sou tímido, não me sinto bem em grandes grupos de estranhos. Eu sou bom em me debruçar sobre documentos.

Minha esposa uma vez me perguntou o que eu amava. Eu disse que amava trabalhar com papéis. Ela perguntou por que. Eu disse que os documentos e manuscritos estão cheios de filosofia, lógica e substância real. Quando você escreve algo e o envia, pode não ter qualquer impacto de três a cinco anos. No entanto, 30 anos mais tarde, quando você olha para trás e o lê novamente, percebe que progredimos com uma coerência de propósito. É isso o que a filosofia, a lógica e o gerenciamento proporcionam.

Minha esposa sempre me pergunta o que eu amo. Eu disse que eu amo trabalhar com documentos, e gostaria de poder passar mais tempo em assuntos internos, e não externos. Por isso eu não fui Presidente do Conselho. O presidente tem que ser responsável por todo o registro comercial da empresa, assinar isso e aquilo. É tudo um bando de tarefas. É como limpeza, e não é isso que eu quero fazer. Eu não quero fazer nada além de gerir esta empresa. Minha personalidade determinou isso.

Às vezes, as pessoas me perguntam por que eu sou tão importante. Eu digo a elas: Não sou um esquilo; não tenho uma cauda grande. (Nota: esse é um trocadilho, "importante" soa o mesmo que "cauda grande" em chinês). Se eu disser que não sou importante, eles dirão que eu estou fingindo ser humilde. Portanto, não posso falar com a imprensa. Se eu disser que sou importante, eles não vão acreditar. Caso contrário, estarei sendo falso.

Neste momento histórico, a nossa equipe de relações públicas está me forçando a falar mais. Eles dizem que quando eu falo, as pessoas prestam mais atenção, que outros executivos de empresas não podem chamar muita atenção. Se o CEO está lá fora tomando café em público, por que não tirar uma foto? Eu realmente não falo em público, e não gosto muito de socializar. Se eu saio para tomar café, não me sinto livre para ser eu mesmo. Inevitavelmente muitas pessoas tiram fotos e as colocam na Internet.

"Uau, Ren leva uma vida tão simples!" Eu não sei porque as pessoas pensam que beber café é vida simples. Eles dizem o mesmo quando eu como. Talvez eu não esteja com vontade de comer carne, então como alguns vegetais. E então você tem pessoas dizendo o quão ótimo eu sou.

O que você vê na mídia às vezes não é realmente quem eu sou. Eu realmente não tenho tempo para me explicar, então não me encontro com os meios de comunicação com tanta frequência. Na verdade, isso não está certo. Eu dei uma entrevista para a BBC em Davos há vários anos, e foi transmitida ao vivo. Então eu me encontro com os meios de comunicação, mas não com tanta frequência.

Nossa equipe de relações públicas está sendo pressionada por pessoas da mídia como você, e agora eles estão me pressionando. Por isso, eu me expus. Às vezes eu digo a coisa errada. Eu nunca recebi treinamento em mídia, e sempre falei o que estava na minha mente. Às vezes, eu não consigo evitar e digo a coisa errada. Se eu fizer isso, espero que você possa me perdoar.

P45: Tenho uma última pergunta a fazer. Você falou no passado sobre ser inspirado, em sua liderança, pelo oeste. O que foi na história da Europa o inspirou? Por que isso te interessou? E agora que está recebendo essa resistência do ocidente, você mudou de ideia?

Ren: Em primeiro lugar, acho que o Reino Unido teve um impacto profundo em mim. Esse é o país onde a monarquia constitucional foi estabelecida. Nesta estrutura, reis e rainhas são colocados sob a lei, e a lei está nas mãos do Parlamento. O rei não é o mais poderoso e está sujeito a restrições legais. Ele está sujeito a decisões coletivas no Parlamento. Isso criou um país bem equilibrado. A Revolução Gloriosa no Reino Unido tornou possível para o país evitar conflitos por 350 anos. Isso fez com que o Reino Unido se tornasse uma nação muito desenvolvida hoje, e teve um grande impacto em mim.

Em segundo lugar, os puritanos. Depois que eles atravessaram o oceano para a América, herdaram o estado de direito da Grã-Bretanha. A América é um grande continente. Durante sua rápida expansão, o oeste era um caos, por isso era impossível estabelecer leis muito detalhadas. No entanto, as pessoas na Grã-Bretanha foram muito detalhistas em seu sistema jurídico. Isso enfraqueceu a dinâmica da sua inovação. Agora as estruturas globais de gestão nos EUA estão bastante padronizadas, mas com muita flexibilidade nos pontos finais. Isso resultou em uma sociedade dinâmica.

Temos um sistema semelhante na Huawei, com um sistema global muito rígido, mas com pontos finais muito flexíveis. Nós damos às pessoas a liberdade de crescer e não temos apenas a ordem, mas também a democracia e a liberdade em nossa empresa. Parece um milagre para pessoas de fora da Huawei.

Na verdade, eu aprendi com duas culturas. Uma delas é a cultura britânica. Nessa cultura, a gestão clara e padronizada é a espinha dorsal da sociedade. A outra é a cultura americana. Essa é uma cultura que tem os pontos finais abertos e que incentiva a abertura e a competição. Não gerenciamos tudo até a morte. Tudo isso teve um impacto sobre mim. Tanta filosofia no oeste tem um significado rico. Aprendi muito dela. Tudo o que escrevo estes dias é ao mesmo tempo padrão, mas também um pouco travesso nas margens.

Alguns dos nossos funcionários tomaram tempo para ler e entender o que escrevo, e esses são os que se tornaram funcionários-chave na Huawei. Aqueles que não entendem muito bem continuam fazendo a sua parte em outros níveis da empresa e, desta forma, criamos uma organização com uma certa ordem.

Correspondente: Muito obrigado pelo seu tempo. Eu poderia conversar com você durante todo o dia e foi uma conversa muito interessante. Nós realmente apreciamos o tempo que você dedicou para nos ajudar a entender sua história. Acredito que você está em uma situação muito difícil.